Magna Celi, 56, é daquelas profissionais que são apaixonadas pelo que faz. Trabalhando na área de infectologia na cidade de Natal, ela nunca pensou que seria uma paciente no hospital em que ela mesma fazia plantões quase todos os dias.  

No ano de 2004, Magna planejava o terceiro filho. “Era meu sonho”. Acelerada por natureza fez exames antes mesmo de engravidar e, veio a surpresa. Era preciso fazer o exame confirmatório para a hepatite C. “Era uma hepatite nova pra gente, não sabia como funcionava direito”, explica. Foram 20 dias de angústia até que o resultado do teste voltasse de Belo Horizonte, já que no Rio Grande do Norte ainda não havia recursos para fazer a confirmação. “Chorei todo dia até receber o resultado. Eu sabia que, naquela época, a doença tinha cura dificil.”

“Quando você não entende, tudo bem, mas quando você é da área, complica. Pirei porque eu queria engravidar. Um dos meus sonhos foi abaixo.” Apesar de saber que a cura era dificil, Magna, inquieta e questionadora por natureza, não sossegou até descobrir a origem de sua infecção. “Queria saber se foi em manicure, se foi no casamento, mas por fim foi dito que aconteceu em acidente de trabalho. Serve até de alerta, porque se foi acidente profissional, não me recordo de jeito nenhum”, conta ela ao denunciar uma das principais armadilhas da hepatite C, o silêncio. 

Tratamento

“Tinha que ter muita força de vontade porque senão, você abandonava”, desabafa sobre o tratamento. Devido ao protocolo, Magna só pôde começar o a tomar a medicação em 2009, ou seja, cinco anos após o diagnóstico. “Entrei para aquele tratamento que todo mundo desiste”, diz fazendo referência à injeção semanal de interferon peguilado. “Tive todos os efeitos colaterais possíveis, só não tentei suicídio. O negócio era a injeção, dois, três dias depois eu arriava”, conta com seu sotaque potiguar. Durante esse período, Magna perdeu cabelo e 16 quilos.

Rígida consigo mesma e de força inquestionável, decidiu que ela própria iria administrar a droga em seu corpo. “Não queria incomodar ninguém e confiava no meu trabalho. Além disso, continuei trabalhando como enfermeira.” Era uma forma de sentir que tinha o mínimo de controle sobre um tratamento tão invasivo que fazia pessoas desistirem. Assim, ela conseguia encaixar as doses de medicamento e os horários de trabalho da forma que melhor lhe conviesse.

Trabalho, inclusive, foi algo que lhe manteve de pé nas quatro semanas mais difíceis de sua vida. “Se me deixassem sem fazer nada eu poderia ter um dos piores efeitos colaterais, a depressão. A equipe toda concordou que eu ficasse o tempo que eu aguentasse. Às vezes eu não ficava o tempo todo, mas esse acordo foi um apoio muito grande. Quando eu estava bem, ficava mais. E foi a melhor coisa que eu fiz. Não concordo com afastamento do trabalho nesses momentos, isso me manteve viva.”

Magna trabalhava na área de saúde da família durante o dia e, depois, ainda fazia plantão no hospital de infectologia. “Em quatro semanas meus exames já ficaram negativos. Segui novamente minha vida profissional”.

Hoje ela até decidiu se aposentar, mas por tempo de contribuição. Não fosse as possíveis alterações na reforma da previdência Magna confessa que talvez estivesse ainda trabalhando.

Mudança de planos

Nos cinco anos em que esperou pelo tratamento, a enfermeira mudou de planos, desistiu de engravidar pelo medo de infectar aquele que seria o terceiro filho. “Já tinha dois filhos, hoje uma com 32 e outro com 23. Pra eles foi uma barra pesada, porque ficaram com medo de eu morrer.” 

“Quando eu passava mal, meu marido disse que um dia me olhou e pensou que eu não ia escapar. Tinha uma escala entre eles pra eu não ficar sozinha. Aí quando eu ficava bem, eles iam fazer as coisas deles. Por isso é que tenho que agradecer muito. Sou super elétrica, minha família é uma festa e ter que mudar isso tudo depois do diagnóstico também foi difícil”, disse ao confessar que adora “uma cervejinha”.

“Aí você começa a se desesperar, começa a ler, eu chegava com uma lista de questionamentos para o médico. Só faltava enlouquecer! Por isso que é preciso muito investir em pesquisas, em informação porque a gente sofria muito.”

Para ela, a chegada do sofosbuvir ao Brasil precisa ser olhada com cautela, já que nem sempre se encontra disponível nos serviços saúde e é comprado por preços ainda muito elevados. “Chegar uma medicação dessas e não dar para as pessoas não faz sentido.”

Energia de sobra

“Quando passou o tratamento, tudo voltou ao normal. Isso foi incrível! Inclusive o peso”, diz com seu bom humor intrínseco. “Fiquei muito mais próxima da minha família, passei a ser mais solidária, passei a acolher mais as pessoas, busco informar elas, tiro dúvidas. Vejo uma pessoa com tatuagem e já oriento.” 

Só em 2018, Magna visitou 35 municípios do estado do Rio Grande do Norte. É roda de conversa, é ação de testagem, é capacitação. A paixão pelo que faz e a energia de Magna trouxe como resultado uma profissional engajada que busca transformar a região em que vive. “Crio mil projetos”, diz dando risada. “Controle social é fundamental, a gente precisa fazer.”

No ano de 2010, Magna entrou para o Movimento Brasileiro de Luta Contra as Hepatites Virais (MBHV), onde conheceu pessoas com histórias de vida parecidas e ganhou força para sair pelo Brasil apresentando trabalhos. “É bom ver as outras histórias, eu via as coisas nos congressos e questionava meu médico. Além disso é também uma forma de você aceitar a doença.”

Hoje, ela também promove cursos, treinamentos e capacitações técnicas para estudantes de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e na Universidade Potiguar. “Todo profissional tem que colocar a testagem em sua conduta. Não fazer só essas ações pulverizadas. Nem gosto disso de julho amarelo. Aí testa, testa… e depois passa o resto do ano sem testar? Não pode ser assim, tem que ser rotina. Controle social é fundamental para diminuir as infeções.” 

Essa história fez parte de uma exposição realizada pela Agência de Notícias da Aids nos dias 21 e 22 de setembro, durante a Feira da Primavera, Saúde, Prevenção e Arte em Toda Parte, com apoio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, da Gilead Scienses, Aids Healthcare Foundation – AHF, Centro de Referência e Treinamento (CRT-São Paulo), Instituto Cultural Barong e da Associação Brasileira dos Portadores de Hepatite (ABPH). 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)