Por Raquel Boechat, Thais Brito e Youssef Rodrigues
Via Fórum Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas
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Emocionante. Produtivo. Interativo.
Foi assim o encontro dos que vivem com doenças infecciosas negligenciadas e enfrentam seus desafios.
O 3o Fórum Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas, dia 1o de Setembro, no contexto do 54o Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MedTrop), em Recife, reuniu 114 pessoas, entre representantes de lideranças, organizações e grupos de enfrentamento à doença de Chagas, leishmanioses, hanseníase, esquistossomose, filariose e hepatites/HIV vindos de sete estados: Pernambuco, Ceará, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso.
O evento integrou as atividades da XXXIII Reunião Anual de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas e da XXI Reunião de Pesquisa Aplicada em Leishmanioses. Organizações apoiadoras do movimento, como a NHR Brasil, Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), Médicos sem Fronteiras (MsF), universidades e centros de pesquisa, também estiveram presentes.
O dia intenso, de trocas e discussões, resultou a Carta de Princípios do Fórum, que pactua missão, visão, princípios e objetivos, e a Carta de Recife, com reivindicações das pessoas que convivem com as diversas doenças, lida na abertura do 54o MedTrop.
Darcilene Mendonça, representando as pessoas convivendo com esquistossomose, foi a voz das pessoas que vivem com doenças infecciosas negligenciadas. A leitura que fez da Carta de Recife tomou o auditório de emoção. Aplaudida de pé pelo público presente na solenidade. [assista, no vídeo a seguir]
“Geralmente falam que as pessoas acometidas de doenças infecciosas negligenciadas não têm estudo, moram não sei aonde, não sei quê. Mas eu sou professora, aposentada por invalidez, do estado e da prefeitura, adoeci ‘do nada’ subindo e descendo ladeira, e preciso dizer isso: sou aposentada por invalidez com o meu salário a menos porque a minha doença não está na lei das doenças para aposentadoria. Eu não entendo isso.”
A representatividade do Fórum pode ser mensurada pelo número de pessoas afetadas pelas doenças infecciosas e negligenciadas (leishmaniose, hanseníase, doença de Chagas, hepatites virais) e pelas instituições/movimentos participantes: Associações brasileiras integrantes da FindeChagas (ACCAMP, ACHAGRASP, APDCIM-Casa de Chagas-PE, Rio Chagas), Morhan-PE, Grupo Vontade de Viver de apoio aos portadores de hepatites virais, Movimento Brasileiro de Hepatites Virais (MBHV), Pastoral da saúde VG ABHP, CES Várzea Grande MT, DEVIT/SVS/MS, IRR/Fiocruz-MG, UFSM, UFC, UESPI, SESA/CE, OMS, DNDi, MSF, UAEM, NHR-Brasil, DAHW, FUNDHANS, OSF, representações de agentes comunitários de saúde.
Entre as atividades, 19 líderes e representantes de movimentos que atuam no combate à hanseníase, doença de Chagas, leishmaniose, hepatites, HIV/Aids, filariose e esquistossomose, participaram do primeiro módulo do Curso de Desenvolvimento de Lideranças para Defesa de Direitos de Pessoas com Doenças Infecciosas e Negligenciadas (veja galeria de fotos). Durante três dias (31/08 a 02/09) foram trabalhados conceitos, como respeito, organização e eficiência, com reflexões sobre a condução dos movimentos e alternativas para agir em busca de melhores resultados em suas causas. Uma das atividades práticas do curso foi a participação no próprio Fórum Social Brasileiro para Enfrentamento de Doenças Infecciosas e Negligenciadas (01/09), quando os participantes foram estimulados a analisar a condução e as estratégias de liderança do coletivo, que se articula pelo terceiro ano, para fortalecer a união de representantes de diversas doenças em pautas comuns, como observa Bartolomeu de Aquino, do MBHV.
“No caso da Hepatite C, o acesso ao tratamento é a grande questão, mas também para ‘Leish’. Há relatos de colegas [de leish] que tomam medicação animal porque o governo é negligente.”
Moacir Zini denuncia o atraso no desenvolvimento de medicamentos para leish.
“Estamos aqui para reivindicar acesso à pesquisa porque nosso medicamento é ‘de longas datas’ e afeta rins, baço, fígado, coração, pressão arterial.”
Faustino Pinto, do Morhan-CE, destacou que o tratamento da hansen não “termina” quando o paciente procura o sistema de saúde.
“As pessoas com sequelas [de hansen] já desenvolvidas precisam de cuidado especial.”
Rejane de Almeida, da NHR Brasil, lembrou o estigma de hansen.
Alberto Ramos, da Universidade Federal do Ceará, destacou a Comunicação como saída para enfrentamento da invisibilidade.
“O paciente de hanseníase, ele se sente invisível. E essa invisibilidade reforça o preconceito.”
Eloan dos Santos Pinheiro, consultora e ativista, exaltou a importância do Fórum para a solução concreta dos problemas.
“Um país que se pretende desenvolvido não pode ter a persistência dessas patologias.”