O Departamento de Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde, esclarece, mediante nota pública, pontos divergentes da matéria veiculada na última quinta-feira (16), pelo site Exame.com, da editora Abril, com o título “Adoção do medicamento genérico para Hepatite C pode sair mais caro do que tratamento convencional”, realizada através do link https://exame.abril.com.br/negocios/dino/adocao-do-medicamento-generico-para-hepatite-c-pode-sair-mais-caro-do-que-tratamento-convencional/ .
Desde 2015, com a inserção dos chamados medicamentos de ação direta (DAA) no mercado brasileiro e sua incorporação ao elenco do SUS, o Brasil iniciou uma nova era no tratamento para Hepatite C. A disponibilização de medicamentos inovadores, com esquemas de utilização extremamente simplificados, diminuição de efeitos adversos e sucesso terapêutico em mais 95% dos pacientes, aumentou consideravelmente o número de pessoas tratadas do Brasil nos últimos três anos.
A Hepatite C é uma epidemia global e é responsável pela morte de milhares de pessoas anualmente. Em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs o Plano que objetiva a eliminação da Hepatite C como um problema de saúde pública até 2030, do qual o Brasil é signatário. Dentre as ações inseridas no Plano, prevê-se a simplificação do diagnóstico e a ampliação da oferta de tratamentos.
Este segundo ponto configura um dos maiores desafios aos Governos, considerando a política de altos preços adotada pelas indústrias farmacêuticas detentoras dos registros dos DAA mundo a fora, e beneficiárias de lucros bilionários nos últimos anos. O preço do sofosbuvir, medicamento de maior relevância nesse contexto, chegou a custar muito mais do que o ouro na oportunidade de seu lançamento mundial, quando se compara o preço por grama de produto. Os altos preços praticados comprometem a sustentabilidade financeira dos Sistemas de Saúde, impedindo a expansão dos tratamentos para um número maior de pessoas, inviabilizando o sucesso dos planos de eliminação.
A estruturação e implementação dos planos de eliminação, com previsão de aumento no número de pessoas tratadas criou um nicho de mercado extremamente convidativo à indústria farmacêutica, que passou a investir no desenvolvimento de novos medicamentos, lançando diversos produtos em um curto espaço de tempo. Entretanto, observando-se os desfechos na população tratada, as inovações trazidas não representam diferenças significativas em termos de eficácia e segurança clínica, demonstrando apenas pequenas diferenças para grupos muito específicos como o caso de pacientes com doença renal grave.
Diante disso, as próprias indústrias desenvolvedoras dos medicamentos não realizam estudos de comparação direta entre os produtos, estudos esses que geralmente tem o objetivo de estabelecer a superioridade de um produto em relação a outro. Logo, se não há diferenças de eficácia, o que torna uma opção mais atrativa é o seu custo ao Sistema.
A OMS lançou no mês de julho a atualização do Guia que aborda as novas diretrizes de tratamento de pacientes com Hepatite C. O Brasil utiliza as recomendações da OMS para definir suas estratégias de combate a essa doença. Os principais esquemas de tratamento preconizados pela OMS são os chamados pangenotípiocos, sendo: sofosbuvir+daclatasvir, sofosbuvir/velpatasvir e glecaprevir/pibrentasvir. As utilizações desses esquemas, de acordo com o Guia, permitiriam a diminuição da necessidade ou até mesmo a não realização do exame de genotipagem, bem como a utilização de esquemas terapêuticos mais simplificados, diminuindo assim a complexidade de diagnóstico e tratamento.
Para atingir as metas do Plano de Eliminação, o Brasil precisa tratar 50 mil pacientes por ano, nos próximos anos. O custo aproximado de tratamento considerando os valores pagos na última aquisição pelo Ministério da Saúde chegam a soma de 6,9 mil dólares por paciente (considerando-se a necessidade de genotipagem e a ponderação pelo tempo de tratamento).
Sem a adoção de uma estratégia efetiva de negociação, o impacto da aquisição de 50 mil tratamentos seria de aproximadamente 345 milhões de dólares. Esse montante, designado ao atendimento de 50 mil pacientes com hepatite C, equivaleria a 19% de todo o orçamento reservado para a aquisição de medicamentos utilizados por mais de dois milhões de pacientes com diferentes doenças, atendidas pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.
Frente a este cenário, considerando o papel estratégico dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas nas definições das opções terapêuticas na linha de cuidado, o Ministério da Saúde utilizou-se de um método inovador, que proporciona a concorrência e diminuição dos altos preços, até então praticados, para venda de medicamentos para Hepatite C no Brasil.
No último dia 11 de julho foi realizada uma tomada de preços considerando todos os medicamentos com registro no Brasil para o tratamento da Hepatite C, que contou com a participação de todas as empresas que comercializam esses produtos no Brasil. A partir de cenários de aquisição possíveis, as empresas puderam ofertar preços para a venda se seus produtos ao SUS, com a premissa de que o PCDT passaria a priorizar o uso do esquema terapêutico que representasse o menor custo aproximado de tratamento, considerando o universo dos 50 mil novos pacientes.
A tomada de preços seguiu por horas, resultando no menor custo de tratamento para a associação daclatasvir (Bristol) +sofosbuvir (genérico-Blanver/Farmanguinhos), que ofertaram ao valor de USD 1.506,75, por tratamento. A empresa produtora de sofosbuvir de referência ofertou o preço de USD 34,32 por comprimido, enquanto o sofosbuvir genérico foi ofertado a USD 8,50.
O segundo colocado na tomada de preços foi o cenário que previa a aquisição de 40 mil tratamentos de elbasvir/grazoprevir e 10 mil tratamentos de velpatasvir/sofosbuvir, que ofereceram um custo médio de USD 1.514,68, por tratamento. Ambos esquemas contemplam a necessidade de aquisição do MS, com garantia de altos índices de eficácia.
Contudo, a diferença global entre o primeiro e o segundo colocado foi de 1,5 milhão de reais, não existindo justificativas para a desclassificação do primeiro colocado. Além disso, o impacto que seria de 345 milhões de dólares, considerando os preços da última aquisição pelo MS, passou para 75 milhões após a tomada de preços, representando, sim, uma economia de 270 milhões de dólares, que ultrapassa a cifra de 1 bilhão de reais.
Com isso, observa-se que a matéria divulgada pela Revista Exame, utiliza de informações equivocadas, cálculos que não correspondem ao cenário real, com propósito de questionar a legitimidade de uma ação que diminuiu o custo de tratamento para hepatite C em 78%, permitindo a disponibilização de tratamentos para todos, em consonância com os princípios fundamentais do SUS, e garantindo a sustentabilidade financeira do Plano de Eliminação e da rede pública de saúde, cujos recursos são limitados.
A suposta economia de 48 milhões sugerida na matéria considera o atendimento de apenas uma parcela de pacientes, não levando em consideração a complexidade de atendimento de todo o universo dos 50 mil tratamentos iniciais, considerando a utilização de um esquema que não é pangenotípico, exigindo a realização de exame de genotipagem em todos os casos, e testes de resistência em algumas situações, na indisponibilidade do teste o tempo de tratamento necessitaria ser estendido em 50%, aumentando consequentemente os gastos.
Ademais, acrescenta-se que após manifestações das Sociedades médica e civil, no dia 9 de agosto realizou-se uma reunião da Comissão Técnica Assessora para Hepatites Virais (CAHV). Essa Comissão possui caráter consultivo e é constituída por profissionais especialistas e por representantes de associações de pacientes e Organizações Não Governamentais na área de Hepatites. Salienta-se que o Sr. Carlos Varaldo, por presidir a Aliança Independente dos Grupos de Apoio (AIGA), tem assento na referida Comissão, todavia optou por encaminhar representante, que não questionou acerca dos pontos abordados da matéria, bem como estiveram presentes os presidentes da SBI e SBH, que também possuem assento na CAHV.
No tocante à reunião, foi publicado no site www.aids.gov.br, dia 14 de agosto de 2018, matéria completa sobre este processo, que também contou com a participação de especialistas convidados que puderam esclarecer, entre outros temas, o processo de registro de genéricos pela ANVISA e experiências internacionais positivas deste medicamento utilizados por Médicos Sem Fronteiras (segue link no final do texto).
Reafirmando o compromisso com a transparência neste processo, todas as discussões ocorridas na reunião da CAHV podem ser conhecidas detalhadamente por meio do Relato de Reunião disponibilizado no final deste texto, além disso, divulga-se também o Relato da Reunião da tomada de preços do dia 11 de julho, que contou a participação das indústrias farmacêuticas, e resultou na priorização de indicação da associação de sofosbuvir + daclatasvir para o tratamento de novos pacientes com Hepatite C no Brasil.
Ressalta-se, conforme pode ser constatado no relato de reunião da CAHV, que não há dúvidas quanto a efetividade e segurança do uso de daclatasvir+sofosbuvir, que é um esquema simples, pangenotípico, preconizado pela OMS, e que tem demosntrado excelentes resultados na população brasileira. Além disso, a argumentação frágil acerca da complexidade logística de aquisição e distribuição dos referidos medicamentos pode ser entendida quando provem de pessoas sem expertise técnica e afinidade ao tema. Todavia, o Ministério da Saúde possui toda capacidade necessária, aplicada em sua rotina diária, para gerenciar esses processos.
Por fim, destaca-se o apoio recebido por meio e cartas enviadas a este Ministério por diversas entidades. E, resgata-se o enfrentamento vivido há anos atrás quando houve a inserção de medicamentos genéricos aos esquemas para o tratamento do HIV, que hoje representam uma das maiores conquistas na saúde pública em nosso País, sendo exemplo para o mundo. Os esforços deste MS continuarão voltados à garantia do acesso a saúde sobre os pilares da universalidade, equidade e integralidade, adotando estratégias que garantam a tão necessária sustentabilidade do SUS.
REFERÊNCIAS, LINKS E DOCUMENTOS
– Cheinquer H et al. https://livertree.easl.eu/easl/2017/international.liver.congress/
– Ferreira VJ et al. Braz J Infect Dis. 2018 May 9.
– Carnaúba Junior et al. Summit .Sao Paulo .2017. POSTER REFERENCE NUMBER: 176.
– Parise RE et al. Brazilian Hepatology Society.2018 .Informação Pessoal. Apresentação Hepatoaids.
– Machado SM et al. Tese doutorado. Informação Pessoal. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2018.
Comissão discute estratégias para o cumprimento das metas do Plano de Eliminação da Hepatite
Carta de apoio [PDF 3.3MB]
Relato da reunião para reavaliação do PCDT de Hepatite C [PDF 3.1 MB]
Relato de reunião da comissão assessora para as hepatites virais [PDF 293 KB]
Fonte: Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais